sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Tempo fugidio


Eheu, fugaces labuntur anni (ai de nós! Como os anos passam depressa!) Horácio, Odes, II, 14, 1

A gramática não escapa ao tempo. Divide-o em passado, presente e futuro – além dos tempos derivados e secundários. Mas o tempo “é um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho”, que acata as variações dentro de seu curso. Para essas variações, os estudiosos apresentam o aspecto verbal, em busca das imprecisões do tempo.

O aspecto do verbo é a “representação mental que o sujeito falante faz do processo verbal como duração”, nos ensina Othon Garcia. Não se restringe ao tempo findado, ao agora ou ao porvir. Escorre pela linha da vida, passado do passado, mais-que-perfeito; o passado que poderia ter sido, futuro do pretérito; o momento correndo, em curso, gerundiando-se. A duração do tempo, quando nos atravessa, é o aspecto, que se amplia em curvas, idas e vindas. “Compositor de destinos”.

Os estudos do discurso já nos dizem que só o presente está entre nós. A enunciação é sempre agora. Portanto, o presente seria o único tempo possível. Mas a literatura narra no passado o vivido e compartilhado; a história nos ensina que o passado organiza o que nos ocorreu em outro tempo. O futuro. Ah! O futuro “a Deus pertence”. Nele não tocamos, como Moisés, o futuro é a visão da terra prometida. Às vezes o tempo é “apenas uma fotografia na parede/Mas como dói!”.

Então um dia o futuro chega, mas ele já não está mais lá, só resta o hoje. É carpe diem, adverte Horácio. Tudo que existe só está no presente.

Então, se gramático, histórico, poético, o tempo é o trem em que conduzimos nosso bem mais precioso: a vida. E o trem está em curso. Ainda há tempo. “O meu tempo é quando”, nos lembra o Poetinha (Vinícius de Moraes). E o quando é agora.

O ano foi bom. Afinal, estamos aqui.


Até a próxima! Que Kairos nos traga o tempo propício!


Fontes citadas:
Oração do tempo, de Caetano Veloso
GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 22ed. Rio de Janeiro: FGV, 2002.
Confidência do Itabirano, de Carlos Drummond.
Poética, de Vinícius de Moraes.



sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Elidir ou Ilidir?

Há palavras na língua portuguesa que têm som (fonética), escrita (grafia) semelhantes, mas com significados muito diversos. É o caso de absorver/absolver; discriminar/descriminar; delatar/dilatar, entre tantas outras. Chamamos parônimas esses tipos de palavras.

As dificuldades que podem surgir no uso de palavras parônimas estão mais relacionadas ao equívoco gráfico. Como, por exemplo, usar retificar no lugar de ratificar, mandato no lugar de mandado. Nossa atenção, em casos assim, deve estar voltada para a grafia. Só isso. Uma vez resolvida a dúvida gráfica, nada quanto ao sentido restará.

No entanto, o par de parônimas elidir/ilidir pode gerar um pouco mais de incertezas.

Elidir tem o significado de eliminar, excluir, suprimir, fazer elisão; enquanto ilidir tem sentido de refutar, destruir, contestar, rebater. Inicialmente os sentidos se diferem muito, mas há momentos em que se aproximam tanto que temos dificuldade de distinguir o sentido. Vejo o exemplo a seguir.

O pagamento dos tributos, para efeito de extinção de punibilidade […], não elide a     pena de perdimento de bens autorizada pelo Decreto-Lei 1.455, de 1976, artigo 23. (TFR, Súmula n. 92)

Observe que o verbo elidir contém exatamente a ideia de exclusão. O pagamento daquele tributo não suprime/exclui a pena autorizada em determinada lei. Veja que a relação entre o verbo (elidir) e o complemento é objetiva.

Agora voltemos nosso olhar para um texto conhecido do judiciário trabalhista.

O só pagamento dos salários atrasados em audiência não ilide a mora capaz de determinar a rescisão do contrato de trabalho. (TST, Súmula n. 13)

Veja a ligeira diferença que há entre a primeira e a segunda súmula. Na Súmula do extinto Tribunal Federal de Recursos, o pagamento não suprime a pena. Já na do TST, a ideia é de que o pagamento de salários atrasados em audiência não é suficiente para refutar o argumento de mora. Se a Súmula fosse escrita com o verbo elidir, deveríamos ligá-lo diretamente à rescisão.

O só pagamento dos salários atrasados em audiência não elide a rescisão do contrato de trabalho.

Significaria dizer que o pagamento por si só não seria capaz de excluir a dispensa indireta. Mas não é esse o conteúdo da súmula. Atente-se para o fato de que a expressão mora vem acompanhada de um adjetivo: capaz. Isso significa que mora é o argumento capaz de determinar a rescisão do contrato, e esse argumento não pode ser contestado  com o pagamento dos salários. Há outros aspectos no atraso de salários que transcendem a mera relação devedor–credor. Conforme nos ensina o magistrado baiano Raymundo Antonio Carneiro Pinto, a Súmula n. 13 evita “que o empregador tente remediar seu erro num momento em que já não mais seria oportuno”.

Mas é claro que a diferença é muito sutil. É preciso decupar o texto para perceber que ilidir está ligado a mora (o argumento) e que a rescisão do contrato não está associada a ilidir. Se usássemos elidir, certamento não teríamos prejuízo na compreensão do texto. No final, tudo daria na mesma, não é? Talvez, em sentido prático, mas deixaríamos de perceber a precisão que o verbo ilidir confere ao texto nesse caso da Súmula n. 13. Ilidir sempre terá como referente um argumento. Esse é o pulo do gato.

Pensar na palavra com cuidado é um jeito de desembotar nosso olhar para os textos tão comuns em nosso cotidiano de escribas. Como diria Manoel de Barros, “palavras que me aceitam como sou – eu não aceito”.

Até a próxima!

Fontes básicas:
AZEVEDO, Francisco Ferreira dos Santos. Dicionário analógico da língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4 ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.
HENRIQUES, Antonio & ANDRADE, Maria Margarida de. Dicionário de verbos jurídicos. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2010.
LUFT, Celso Pedro. Dicionário prático de regência verbal. 8 ed. São Paulo: Ática, 2002.
PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Súmulas do TST comentadas. 11 ed. São Paulo: Ltr, 2010.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Me-só-cli-se

As línguas têm ritmo. As variações melódicas nos contam da origem de um falante, das intenções, se dramáticas, se cômicas, e contribuem para caracterizar cada língua. A essa musicalidade chamamos prosódia.

O português, por exemplo, tende a ser paroxítono. Isso promove em nosso idioma uma sequência mais frequente de átono + tônico + átono. E cá para nós, essa característica prosódica torna nossa língua muito boa de ouvir, muito musical.

E o ritmo passa pela palavra e chega a frases e períodos, num todo melódico. Portanto, quando pensamos em colocação de pronomes átonos, devemos ter em mente que também se refere a ritmo e que, se átono, o termo deverá estar ao lado de um tônico. O tônico, no caso dos pronomes átonos, são os verbos. Por essa razão temos ênclise, próclise e mesóclise, formas de posicionamento na oração desses átonos em relação ao verbo.

A mesóclise é a possibilidade de colocação pronominal que ocorre apenas diante de verbos no futuro do presente ou no futuro do pretérito (condicional). Nesses casos o pronome átono se posiciona no meio do verbo.

A cerimônia realizar-se-á amanhã.

Comprometer-me-ia, mas não devo.

Mas nem sempre foi assim. A mesóclise era a colocação do pronome entre dois verbos. Isso mesmo. O futuro era construído com o verbo no infinitivo somado ao indicativo do verbo haver. Isso foi há muito tempo. Então, tínhamos:

A cerimônia haverá de realizar-se.

Havia de comprometer-me, mas não devo.

Com o tempo, a função infinitiva fixou-se no verbo principal. Mas a ideia de que havia mais um verbo na construção permaneceu em nossa consciência linguística. Por isso que não temos mesóclise em outros tempos verbais, porque ela é o resquício da formação original de futuro. Na prática, aplicamos a mesóclise como se fossem dois verbos. Por essa razão, incluímos o pronome átono entre a desinência de infinitivo e as desinências de tempo e pessoa, replicando aquela forma do passado. Interessante, não?

Inegavelmente esse tipo de construção sugere mais formalidade, nem que seja no imaginário de quem escreve ou lê. Talvez por isso ainda seja possível encontrá-la aqui e ali em textos jurídicos. Não é errado, mas não é o mais comum em nossa língua. O próprio Evanildo Bechara já aponta para a possibilidade de se optar pela próclise quando nas situações de futuro.

Assim, podemos dizer

A cerimônia se realizará amanhã.

Veja que sem a mesóclise a frase soa mais natural. De outra forma, tende a ser interpretada como antiquada ou afetada. E, quando escrevemos, a recepção de nosso texto deve ser levada em conta, principalmente em se tratando de textos oficiais. Conquistar a adesão do leitor não é tarefa fácil.

Por essa razão, apesar de não constituir erro o uso da mesóclise, não a recomendamos para os textos oficiais, representativos de uma instituição ou empresa. A sugestão é de que o texto seja reconstruído de forma que a mesóclise seja evitada.

Até a próxima!


Fontes básicas:
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
CÂMARA JR., J.M. História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão, 1975.
CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008.


segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Colocação pronominal: próclise

O usuário da língua normalmente não erra na colocação nominal. É tão natural. Os pronomes fluem em nosso linguajar. O problema aparece quando escrevemos. Na dúvida, inventamos malabarismos para tudo parecer mais certo, em vez de seguir a intuição, tão espontânea, que aponta o melhor caminho. Portanto, caro redator, sinta o texto, perceba se não soa estranho, e siga em frente. As regras, para a colocação pronominal, servem como indicadores de tendência, só isso. Se a intuição não for suficiente, aí vão algumas situações em que próclise ocorre com mais frequência.

Próclise

A próclise ocorrerá com mais frequência nos seguintes casos:

1. diante de palavras negativas (não, nunca, jamais, ninguém, nada, etc.)

Jamais o vi tão abatido.

2. em orações iniciadas por pronomes ou advérbios interrogativos

Por que te lembrastes dele agora?

Como me magoastes tanto?

3. com gerúndio regido da preposição em

Em se tratando de vida humana, nada pode ser desconsiderado.

4. diante de certos advérbios (bem, mal, ainda, já, sempre, só, tá,vez, etc.) ou expressões adverbiais

me parecia suficiente tudo que fora dito.

Depois se sentou para descansar.

5. diante do numeral ambos ou de pronomes indefinidos (tudo, todo, outro, alguém, outro, qualquer, etc.)

Alguém me chamou.

Ambos se sentiam culpados.

Todos as mulheres se manifestaram.

Observem, diletos leitores, que entre o que aprendemos na escola e o que de fato ocorre na língua há um abismo. Na Idade Média, a colocação pronominal era uma questão sem conflito para os usuários da língua. Próclise e ênclise se alternavam de forma fluida. Com o passar do tempo, Portugal e Brasil tomaram rumos diversos. Enquanto aqui seguimos o uso mais corrente da próclise, por lá a ênclise tornou-se comum. Ninguém está mais certo nessa história, porque ambos países se distanciaram da língua inicial (se é que existe um início), o que é perfeitamente normal e esperado. Afinal, tudo evolui. Se formos perseguir o início, teremos que chegar à língua adâmica. E nós já aprendemos que “o melhor lugar do mundo é aqui e agora”.

Até a próxima!


Fontes básicas:
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008.




sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Colocação pronominal: ênclise


Sempre ouvimos falar que o nosso idioma é preferencialmente enclítico, ao contrário do espanhol, por exemplo, para o qual se indica como padrão a próclise: “me gusta”, “me encanta”.

Assim, em português, devemos posicionar o pronome depois do verbo. Consideram-se, segundo esse pensamento, equivocadas expressões como:

Me empresta esse livro? / Me liga amanhã.

Ora, a língua é plástica. As escolhas tanto vocabulares quanto sintáticas se pautam por situações, meios, plataformas, formalidade ou informalidade. Então, entre o cotidiano “me empresta” e os usos nos textos atuais é possível perceber mudanças ou flexibilização da colocação pronominal.

Mesmo as gramáticas canônicas lançam um olhar mais amplo sobre o tema. Evanildo Bechara, por exemplo, na Moderna Gramática Portuguesa, aponta que

durante muito tempo viu-se o problema apenas pelo aspecto sintático, criando-se a falsa teoria da 'atração' vocabular do não, do quê, de certas conjunções e tantos outros vocábulos. Graças a notáveis pesquisadores (...) passou-se a considerar o assunto pelo aspecto fonético-sintático.

O autor quer deixar claro que não se trata de mera atração. O que nos obriga a colocar o pronome antes do verbo (próclise) é a eufonia, não uma regra pura e simples. Observem as orações abaixo:

Ele não me contou nada. / Ele não contou-me nada.*

Ambas estão claras, mas a primeira nasce mais naturalmente. Então, o usuário determina a regra, não o contrário. É ele quem percebe o idioma.

Das gramáticas mais conhecidas extraímos sugestões para uso da ênclise que levam em consideração aspectos sintáticos, portanto mais fixos:

a) se o pronome for objeto do verbo

Mesmo com todas as dificuldades, deram-lhe o que era necessário.

b) quando o pronome tem a forma “o” ou “a” e o infinitivo vem regido da preposição “a”

Se soubesse, não continuaria a lê-lo. (R. Barbosa)

Começaram a imitá-la.

c) nas locuções verbais em que o verbo principal está no infinitivo ou gerúndio

O candidato veio interromper-me.

Quero encontrá-la nas próximas horas.

Ia revelando-se cada vez mais feroz.

d) nas locuções verbais, quando não estiver previsto o uso exclusivo da próclise, a ênclise recai sobre o verbo principal

Ia-me esquecendo dela. (G. Ramos)

Vão-me buscar assim que estiver pronto.

d) em início de período

Sentei-me calada e observei o tempo.


A flutuação na colocação pronominal não significa, entretanto, que antigas regras não tenham aplicabilidade. Elas são válidas e funcionam, não como regras, mas como registro de ocorrências mais usuais.

Ainda é importante destacar que alguns autores consideram que não se pode iniciar período ou oração com pronome átono. Assim, em períodos como

Se a simulação for absoluta, sem que tenha havido intenção de prejudicar terceiros, ou de violar disposição de lei, e for assim provado a requerimento de algum dos contratantes, – se julgará o ato inexistente,

se julgará”, por vir após vírgula, indicaria início de oração, o que, para alguns, significa equívoco de colocação. Modernamente, entretanto, mesmo os que se pautam pelo critério da oração, admitem a colocação do pronome átono antes do verbo em orações intercaladas. Sobre isso, a gramática de Celso Cunha destaca a preferência pela próclise, em especial no Brasil, em orações absolutas, principais e coordenadas, não iniciadas por palavra que exija ou aconselhe tal colocação (como palavras negativas, pronomes interrogativos, etc).

Essa liberdade de uso não significa abandono do redator à própria sorte. De forma alguma. Quanto mais nos apropriamos da língua mais os contornos locais se tornam claros e fortes. Não se trata de um aviltamento da língua original, mas de evolução natural e necessária, imposta pelos usuários, os entes soberanos dessa ferramenta.

O assunto não termina aqui, claro. Até a próxima!


Fontes básicas:
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008.

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Sócio-cultural ou sociocultural?

O hífen, após a assinatura do Acordo Ortográfico, parece ter se transformado em espinho na carne. Aqui e ali, nós, os redatores, ficamos sem saber o que é certo ou errado. Às vezes, até palavras velhas conhecidas passam a gerar dúvidas.

Um exemplo disso é a palavra sociocultural, que sempre foi escrita assim, mesmo antes do Acordo.

Atualmente ela tem circulado por aí com hífen (sócio-cultural), sem hífen (sóciocultural), com um esdrúxulo acento. Tudo isso pode ser resultado da sensação de que tudo que aprendemos foi parar na imensa lixeira da história. Mas não é bem assim.

Sócio e socio


Para início de conversa, precisamos lembrar da existência de duas palavras: “sócio”, adjetivo ou substantivo, que tem sentido de membro de uma sociedade ou associação, pessoa que participa de um negócio; e “socio”, sem acento, elemento de composição, isto é, prefixo, que exprime a noção de social ou sociedade.

O substantivo “sócio” pode também se ligar a outra palavra, como é o caso de “sócio-gerente”. Mas, nesse caso, não se trata de formação por prefixação. É uma palavra composta, formada por duas palavras independentes. Algo semelhante a diretor-geral, coordenador-geral, administrativo-financeiro, etc.

Já em sociocultural, temos “socio” (prefixo), termo dependente, e “cultural” (adjetivo), cuja junção se dá de maneira semelhante a contraindicação, hidroelétrico, autoestrada, etc.

Como elemento de composição, “socio” se liga a quase toda palavra sem necessidade do hífen. Assim, temos:

socioambiental/socioeducativo/sociopolítico

Mas, se o prefixo “socio”, for sucedido por palavras iniciadas por “h” ou “o”, deve ligar-se ao seu par por hífen.

Socio-histórico/socio-habitacional/socio-humanitário/socio-organizacional

Acentuação

Quanto à acentuação, devemos estar atentos ao fato de que, em português, somente acentuamos graficamente a última, penúltima ou antepenúltima sílaba. Não é possível acentuar graficamente nada que venha antes da antepenúltima sílaba. Por essa razão, “socio” não recebe acento, porque, ao se ligar a outra palavra, não ocupa os espaços possíveis de acentuação gráfica.


Até a próxima!


Fontes básicas:

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. VOLP – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. http://www.academia.org.br/nossa-lingua/busca-no-vocabulario (acesso em 21/10/2017)
BECHARA, Evanildo. A nova ortografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Entre aspas

As aspas ou vírgulas dobradas são recursos úteis à redação. Funcionam como sinalizadores de condições externas ao conteúdo, que devem estar claras no interior do texto, como citações, palavras estrangeiras, etc. Vejamos abaixo algumas das situações mais comuns de uso das aspas.

Nas transcrições textuais

1. Se a citação abrange todo o período, as aspas devem ser fechadas após o ponto.

"Antes de enfeitar nossas casas com belos objetos, temos de descascar as paredes, e descascar nossas vidas, e trocar o belo modo de vida e a bela administração doméstica por bons alicerces: ora, o gosto pelo belo se cultiva melhor ao ar livre, onde não há casa nem administração doméstica."

2. Quando o final da citação coincide com a pausa do período e é apenas uma parte da proposição, o ponto recairá após as aspas.

Interessante pensamento de Thoreau, segundo o qual, comparada à moda, “a tatuagem não é tão medonha como dizem”. Segundo o autor, “não é bárbara pelo simples fato de que a impressão é profunda e indelével”.

Fique atento! Essa opção não é adequada se o sinal de pontuação original for importante para a compreensão ou sentido do texto, como no caso de pontos de interrogação, exclamação ou reticências. Tenha apenas o cuidado com a dupla pontuação. Se a citação termina com um desses pontos, inclua-o nas aspas, mas não acrescente pontuação em seguida. Veja:

Dirigiu-me um assustado “Como foi isso?” Sem resposta, seguimos em silêncio até o carro.

3. Se a citação vem acompanhada de dados entre parênteses, o ponto é colocado no final da sentença.

"Mas, ai!, os homens se tornaram os instrumentos de seus instrumentos" (em "Walden", de Henry David Thoreau).

Para realçar nomes de obras, publicações (jornais, revistas, etc.), apelidos

Walden” de Thoureau foi um livro muito importante para o movimento beat.

Aquela Resolução Administrativa foi divulgada no “Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho - DEJT”.

A mãe do Benvindo sempre o chamou de “passarinho”, porque um dia ele vai voar.

Marcam palavras, expressões citadas

Notamos que o “se” estava muito presente na fala daquele homem.

No verso “como dois e dois são quatro”, Ferreira Gullar parece garantir que tudo vale a pena.

Indicam neologismos e estrangeirismos

Devemos evitar o uso de “quórum”, porque no Vocabulário Ortográfico de Língua Portuguesa (VOLP) consta apenas o termo latino “quorum”, sem acento.

Atenção! As palavras estrangeiras devem ser destacadas, mas não apenas por aspas. Podemos usar itálico, negrito ou o menos aceito sublinhado. O importante, nesses casos, é a definição de que sinal será utilizado e manter o padrão em todo texto.

Fique atento. A ABNT sugere que as citações diretas com mais de três linhas sejam destacas com recuo de 4 cm da margem esquerda, com letra menor que a do corpo do texto e sem as aspas.

Até a próxima!


Fontes básicas

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520: informação e documentação – citações em documentos – apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, 2002.
LUFT, Celso Pedro. Grande manual de ortografia. 3 ed. São Paulo: Globo, 2012.














quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Plural, siglas e abreviaturas

Toda semana essa coluna traz algum tópico de língua portuguesa, não raro há um “Atenção! apontando para diferentes posicionamentos de gramáticos, visões polêmicas ou diferenças entre o Brasil e demais países lusófonos, em especial nossa mãe Portugal.

Não desanimem, isso não é de todo ruim. Podemos afirmar que pode ser efeito da riqueza de nosso idioma. Afinal, um pouco de conflito conduz à reflexão e ao desenvolvimento.

Então, para não fugir à regra, hoje trataremos de um assunto que também desfruta de certa porção de polêmica: plural de siglas e abreviaturas.

Abreviaturas de formas de tratamento

Formas de tratamento são históricas e obedecem a convenções. Não se trata de uma questão de gramática, apenas de uniformidade no uso. Assim, temos:

Tratamento
Singular
Plural
Excelentíssimo ou Excelentíssima
Ex.mo ou Ex.ma/Exmo ou Exma

Exclência
Ex.a

Senhor, Senhora
Sr. e Sr.a
Sres./Sr.es e Sr.as/Sr.as
Vossa Excelência
V. Ex.ª/V.Ex.a
V.Ex.as/V.Ex.as (Brasil) ou VV. Ex.as (Portugal)
Vossa Majestade
V.M
VV.MM
Vossa Senhoria
V. S.a
V. S.as(BR) ou VV. S.as (PT)

Siglas

Em Portugal, pluralizar siglas não é recomendado. Por aqui, temos percebido a tendência à pluralização (PM – PMs; CD – CDs; RA – Ras), provavelmente nascida da necessidade de redatores e leitores. É fato que muitos manuais, entre eles o Manual de Padronização de Atos Administrativos do TRT3 e o Manual de Comunicação Social do Senado, já recomendam o uso do plural.

Para pluralizar uma sigla, basta acrescentar o -s. Nada de usar apóstrofo (RA’s). Isso não vale.

No Brasil o plural de siglas já está consolidado, o que não quer dizer que você esteja obrigado fazer a flexão. Assim, é muito possível escrever

As RA foram publicadas.

Ou

As RAs foram publicadas.

Questão de gosto.

Até a próxima!






segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Infinitivo impessoal

“Viver é um descuido prosseguido”, disse Riobaldo pelas mãos de Rosa. A força dessa frase está certamente na forma poética e mínima com que Rosa constrói o pensamento. Menos é mais, e em Rosa é sempre muito mais. A substância da vida é viver, e o viver é um movimento simples e constante.

A ideia do autor se materializa na simplicidade do uso de um verbo na função de um substantivo. Viver está no infinitivo. Não há nele as certezas do indicativo nem as dúvidas do subjuntivo. É só um verbo a espera de um agente, assim como a vida. Então, falemos um pouco desse verbo sem flexão, sem o agir (olha aí um outro verbo se transubstanciando!).

Como tudo é simplicidade e prosseguimento, apresentamos cinco situações em que o infinitivo não é flexionado:

1. quando não se refere a sujeito:

Viver é muito perigoso” (G. Rosa)

Amar, verbo intransitivo” (M. Andrade)

2. quando há sentido narrativo ou descritivo (Celso Cunha denomina infinitivo de narração)

A sorrir eu pretendo levar a vida”. (Cartola)

3. quando precedido pelas expressões fácil de, possível de, bom de, raro de:

Pensamentos humanistas devem ser fáceis de aceitar.

4. quando pertence a uma locução verbal:

Os juízes vão julgar com isenção os casos que se apresentam.

5. quando depende dos verbos causativos deixar, mandar, fazer e sinônimos ou dos verbos sensitivos ver, ouvir, sentir e sinônimos e se o complemento for um pronome oblíquo:

Deixei-os fazer a lição amanhã.

Atenção! Se no lugar de “os” tivéssemos “os meninos”, flexionamos o infinitivo. Assim:

Deixei os meninos fazerem a lição amanhã.

Atenção! Se houver um sujeito entre o auxiliar e o infinitivo, este flexiona-se. Assim, temos:

Sentia as lágrimas de emoção inundarem-lhe os olhos.

É bom lembrar que aqui trouxemos as opiniões mais comuns sobre infinitivo flexionado ou não. Há sempre um outro que discorda, mas, como diz o próprio Rosa a “natureza da gente não cabe em nenhuma certeza”. E talvez a incerteza seja um pouco de sabedoria!

Até a próxima!

Fontes básicas:
ALMEIDA, Napoleão Mendes de Almeida. Dicionário de questões vernáculas. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2005.
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008.
ROSA, Guimarães. Grande Sertão Veredas. 20ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Infinitivo Pessoal (ou infinitivo flexionado)

As formas nominais do verbo, aí incluídos infinitivo, gerúndio e particípio, são assim denominados por “...não poderem exprimir por si nem o tempo nem o modo. O valor temporal e modal está sempre em dependência do contexto em que aparecem” (Cunha, 2008).

O que difere a língua portuguesa de muitas outras é a possibilidade de flexionar o infinitivo em função da pessoa verbal. Entretanto, devemos ter em mente que não há consenso sobre o assunto. Alguns autores, como Celso Cunha, por exemplo, falam em tendências de uso, não de regras. Napoleão Mendes de Almeida rejeita quase todos os usos, enquanto Bechara aponta também para tendências relacionadas à estilística. E nós ficamos nesse meio!

Aqui estão três situações em que a flexão do infinitivo é importante para a qualidade do texto até mesmo recomendada. Vejam.

1. Quando o infinitivo tem sujeito próprio não expresso:

O juiz exarou despacho para proporcionar às partes oportunidade de se manifestarem [elas – as partes] durante a audiência.

A manifestação cabe às partes, logo o infinitivo não tem como referente o sujeito da oração principal – o juiz. Esse recurso evita ambiguidade.

2. Quando tem sujeito expresso:

Estranho é tu não notares as mudanças naquele local.

3. Sempre que for possível substituir o infinitivo flexionado por uma forma modal (flexão de modo), indiferentemente se o verbo faz referência a sujeito próprio ou não, podemos usar a forma flexionada do infinitivo.

O advogado afirmou ser possível ganharmos a causa. (infinitivo pessoal)

O advogado afirmou que é possível que ganhemos a causa. (forma modal)

Mas ainda retomaremos esse assunto para tratar do infinitivo impessoal (não flexionado) e dos casos facultativos.

Até a próxima!


Fontes básicas:
ALMEIDA, Napoleão Mendes de Almeida. Dicionário de questões vernáculas. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2005.
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008.


segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Infinitivo: um início de conversa

O infinitivo é uma das formas nominais do verbo, ao lado do gerúndio e do particípio. Ocorre em variadas línguas. Trata-se do verbo sem flexão. Analise as seguintes orações, em que o verbo navegar exerce função nominal. Isso quer dizer que atuam como substantivos.

Navegar é preciso”.

Em língua portuguesa, diferentemente de outras línguas neolatinas, o infinitivo pode ser flexionado. Conhecido como idiotismo ou idiomatismo, é um fenômeno nosso. Assim, por aqui e para além do Atlântico, o infinitivo pode estabelecer relação com a pessoa verbal.

O infinitivo pessoal (flexionado) ocorre em todas as pessoas gramaticais (eu, tu, ele, nós, vós, eles) e é muito útil como recurso de coesão. Observe as orações a seguir.

Convém trabalharmos juntos.

Convém nós trabalharmos juntos.

Convém que trabalhemos juntos.

Notou a diferença? A primeira é bastante coesa, dizemos tudo com muito pouco. Isso não significa que apenas a primeira esteja correta, mas que dispomos de uma ferramenta útil para variar as formas de escrita em um texto. Ora podemos empregar o infinitivo, ora usamos orações modais.

É importante estar atento ao fato de que, em termos de forma, o infinitivo pessoal (flexionado) se assemelha ao futuro de subjuntivo. Veja.

Nada faz aqueles homens cumprirem as leis.

Veja que a oração tem sentido declarativo (algo que se afirma ou se nega), construção típica de infinitivo.

Já no exemplo a seguir, a oração expressa uma hipótese condicional, própria do modo subjuntivo. A grafia, no entanto, mesmo com a diferença de sentido, será a mesma. Veja.

Se aqueles homens não cumprirem a lei, serão devidamente punidos.

Para finalizar, podemos afirmar, antes de entrarmos nas questões mais polêmicas do infinitivo pessoal, que uma regra parece ser comum a todos ou quase todos estudiosos: sempre que o infinitivo estiver acompanhado do sujeito, nome ou pronome, na ordem preposição + sujeito + infinitivo, deve-se usar o infinitivo flexionado. Observe.

Preparou a sala para [preposição] as sessões [sujeito] ocorrerem [infinitivo flexionado].

Por hoje é só. Que os eflúvios da primavera acalmem as polêmicas em torno do infinitivo.


Até a próxima!