terça-feira, 31 de outubro de 2017

Sócio-cultural ou sociocultural?

O hífen, após a assinatura do Acordo Ortográfico, parece ter se transformado em espinho na carne. Aqui e ali, nós, os redatores, ficamos sem saber o que é certo ou errado. Às vezes, até palavras velhas conhecidas passam a gerar dúvidas.

Um exemplo disso é a palavra sociocultural, que sempre foi escrita assim, mesmo antes do Acordo.

Atualmente ela tem circulado por aí com hífen (sócio-cultural), sem hífen (sóciocultural), com um esdrúxulo acento. Tudo isso pode ser resultado da sensação de que tudo que aprendemos foi parar na imensa lixeira da história. Mas não é bem assim.

Sócio e socio


Para início de conversa, precisamos lembrar da existência de duas palavras: “sócio”, adjetivo ou substantivo, que tem sentido de membro de uma sociedade ou associação, pessoa que participa de um negócio; e “socio”, sem acento, elemento de composição, isto é, prefixo, que exprime a noção de social ou sociedade.

O substantivo “sócio” pode também se ligar a outra palavra, como é o caso de “sócio-gerente”. Mas, nesse caso, não se trata de formação por prefixação. É uma palavra composta, formada por duas palavras independentes. Algo semelhante a diretor-geral, coordenador-geral, administrativo-financeiro, etc.

Já em sociocultural, temos “socio” (prefixo), termo dependente, e “cultural” (adjetivo), cuja junção se dá de maneira semelhante a contraindicação, hidroelétrico, autoestrada, etc.

Como elemento de composição, “socio” se liga a quase toda palavra sem necessidade do hífen. Assim, temos:

socioambiental/socioeducativo/sociopolítico

Mas, se o prefixo “socio”, for sucedido por palavras iniciadas por “h” ou “o”, deve ligar-se ao seu par por hífen.

Socio-histórico/socio-habitacional/socio-humanitário/socio-organizacional

Acentuação

Quanto à acentuação, devemos estar atentos ao fato de que, em português, somente acentuamos graficamente a última, penúltima ou antepenúltima sílaba. Não é possível acentuar graficamente nada que venha antes da antepenúltima sílaba. Por essa razão, “socio” não recebe acento, porque, ao se ligar a outra palavra, não ocupa os espaços possíveis de acentuação gráfica.


Até a próxima!


Fontes básicas:

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. VOLP – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. http://www.academia.org.br/nossa-lingua/busca-no-vocabulario (acesso em 21/10/2017)
BECHARA, Evanildo. A nova ortografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Entre aspas

As aspas ou vírgulas dobradas são recursos úteis à redação. Funcionam como sinalizadores de condições externas ao conteúdo, que devem estar claras no interior do texto, como citações, palavras estrangeiras, etc. Vejamos abaixo algumas das situações mais comuns de uso das aspas.

Nas transcrições textuais

1. Se a citação abrange todo o período, as aspas devem ser fechadas após o ponto.

"Antes de enfeitar nossas casas com belos objetos, temos de descascar as paredes, e descascar nossas vidas, e trocar o belo modo de vida e a bela administração doméstica por bons alicerces: ora, o gosto pelo belo se cultiva melhor ao ar livre, onde não há casa nem administração doméstica."

2. Quando o final da citação coincide com a pausa do período e é apenas uma parte da proposição, o ponto recairá após as aspas.

Interessante pensamento de Thoreau, segundo o qual, comparada à moda, “a tatuagem não é tão medonha como dizem”. Segundo o autor, “não é bárbara pelo simples fato de que a impressão é profunda e indelével”.

Fique atento! Essa opção não é adequada se o sinal de pontuação original for importante para a compreensão ou sentido do texto, como no caso de pontos de interrogação, exclamação ou reticências. Tenha apenas o cuidado com a dupla pontuação. Se a citação termina com um desses pontos, inclua-o nas aspas, mas não acrescente pontuação em seguida. Veja:

Dirigiu-me um assustado “Como foi isso?” Sem resposta, seguimos em silêncio até o carro.

3. Se a citação vem acompanhada de dados entre parênteses, o ponto é colocado no final da sentença.

"Mas, ai!, os homens se tornaram os instrumentos de seus instrumentos" (em "Walden", de Henry David Thoreau).

Para realçar nomes de obras, publicações (jornais, revistas, etc.), apelidos

Walden” de Thoureau foi um livro muito importante para o movimento beat.

Aquela Resolução Administrativa foi divulgada no “Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho - DEJT”.

A mãe do Benvindo sempre o chamou de “passarinho”, porque um dia ele vai voar.

Marcam palavras, expressões citadas

Notamos que o “se” estava muito presente na fala daquele homem.

No verso “como dois e dois são quatro”, Ferreira Gullar parece garantir que tudo vale a pena.

Indicam neologismos e estrangeirismos

Devemos evitar o uso de “quórum”, porque no Vocabulário Ortográfico de Língua Portuguesa (VOLP) consta apenas o termo latino “quorum”, sem acento.

Atenção! As palavras estrangeiras devem ser destacadas, mas não apenas por aspas. Podemos usar itálico, negrito ou o menos aceito sublinhado. O importante, nesses casos, é a definição de que sinal será utilizado e manter o padrão em todo texto.

Fique atento. A ABNT sugere que as citações diretas com mais de três linhas sejam destacas com recuo de 4 cm da margem esquerda, com letra menor que a do corpo do texto e sem as aspas.

Até a próxima!


Fontes básicas

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520: informação e documentação – citações em documentos – apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, 2002.
LUFT, Celso Pedro. Grande manual de ortografia. 3 ed. São Paulo: Globo, 2012.














quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Plural, siglas e abreviaturas

Toda semana essa coluna traz algum tópico de língua portuguesa, não raro há um “Atenção! apontando para diferentes posicionamentos de gramáticos, visões polêmicas ou diferenças entre o Brasil e demais países lusófonos, em especial nossa mãe Portugal.

Não desanimem, isso não é de todo ruim. Podemos afirmar que pode ser efeito da riqueza de nosso idioma. Afinal, um pouco de conflito conduz à reflexão e ao desenvolvimento.

Então, para não fugir à regra, hoje trataremos de um assunto que também desfruta de certa porção de polêmica: plural de siglas e abreviaturas.

Abreviaturas de formas de tratamento

Formas de tratamento são históricas e obedecem a convenções. Não se trata de uma questão de gramática, apenas de uniformidade no uso. Assim, temos:

Tratamento
Singular
Plural
Excelentíssimo ou Excelentíssima
Ex.mo ou Ex.ma/Exmo ou Exma

Exclência
Ex.a

Senhor, Senhora
Sr. e Sr.a
Sres./Sr.es e Sr.as/Sr.as
Vossa Excelência
V. Ex.ª/V.Ex.a
V.Ex.as/V.Ex.as (Brasil) ou VV. Ex.as (Portugal)
Vossa Majestade
V.M
VV.MM
Vossa Senhoria
V. S.a
V. S.as(BR) ou VV. S.as (PT)

Siglas

Em Portugal, pluralizar siglas não é recomendado. Por aqui, temos percebido a tendência à pluralização (PM – PMs; CD – CDs; RA – Ras), provavelmente nascida da necessidade de redatores e leitores. É fato que muitos manuais, entre eles o Manual de Padronização de Atos Administrativos do TRT3 e o Manual de Comunicação Social do Senado, já recomendam o uso do plural.

Para pluralizar uma sigla, basta acrescentar o -s. Nada de usar apóstrofo (RA’s). Isso não vale.

No Brasil o plural de siglas já está consolidado, o que não quer dizer que você esteja obrigado fazer a flexão. Assim, é muito possível escrever

As RA foram publicadas.

Ou

As RAs foram publicadas.

Questão de gosto.

Até a próxima!






segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Infinitivo impessoal

“Viver é um descuido prosseguido”, disse Riobaldo pelas mãos de Rosa. A força dessa frase está certamente na forma poética e mínima com que Rosa constrói o pensamento. Menos é mais, e em Rosa é sempre muito mais. A substância da vida é viver, e o viver é um movimento simples e constante.

A ideia do autor se materializa na simplicidade do uso de um verbo na função de um substantivo. Viver está no infinitivo. Não há nele as certezas do indicativo nem as dúvidas do subjuntivo. É só um verbo a espera de um agente, assim como a vida. Então, falemos um pouco desse verbo sem flexão, sem o agir (olha aí um outro verbo se transubstanciando!).

Como tudo é simplicidade e prosseguimento, apresentamos cinco situações em que o infinitivo não é flexionado:

1. quando não se refere a sujeito:

Viver é muito perigoso” (G. Rosa)

Amar, verbo intransitivo” (M. Andrade)

2. quando há sentido narrativo ou descritivo (Celso Cunha denomina infinitivo de narração)

A sorrir eu pretendo levar a vida”. (Cartola)

3. quando precedido pelas expressões fácil de, possível de, bom de, raro de:

Pensamentos humanistas devem ser fáceis de aceitar.

4. quando pertence a uma locução verbal:

Os juízes vão julgar com isenção os casos que se apresentam.

5. quando depende dos verbos causativos deixar, mandar, fazer e sinônimos ou dos verbos sensitivos ver, ouvir, sentir e sinônimos e se o complemento for um pronome oblíquo:

Deixei-os fazer a lição amanhã.

Atenção! Se no lugar de “os” tivéssemos “os meninos”, flexionamos o infinitivo. Assim:

Deixei os meninos fazerem a lição amanhã.

Atenção! Se houver um sujeito entre o auxiliar e o infinitivo, este flexiona-se. Assim, temos:

Sentia as lágrimas de emoção inundarem-lhe os olhos.

É bom lembrar que aqui trouxemos as opiniões mais comuns sobre infinitivo flexionado ou não. Há sempre um outro que discorda, mas, como diz o próprio Rosa a “natureza da gente não cabe em nenhuma certeza”. E talvez a incerteza seja um pouco de sabedoria!

Até a próxima!

Fontes básicas:
ALMEIDA, Napoleão Mendes de Almeida. Dicionário de questões vernáculas. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2005.
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008.
ROSA, Guimarães. Grande Sertão Veredas. 20ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Infinitivo Pessoal (ou infinitivo flexionado)

As formas nominais do verbo, aí incluídos infinitivo, gerúndio e particípio, são assim denominados por “...não poderem exprimir por si nem o tempo nem o modo. O valor temporal e modal está sempre em dependência do contexto em que aparecem” (Cunha, 2008).

O que difere a língua portuguesa de muitas outras é a possibilidade de flexionar o infinitivo em função da pessoa verbal. Entretanto, devemos ter em mente que não há consenso sobre o assunto. Alguns autores, como Celso Cunha, por exemplo, falam em tendências de uso, não de regras. Napoleão Mendes de Almeida rejeita quase todos os usos, enquanto Bechara aponta também para tendências relacionadas à estilística. E nós ficamos nesse meio!

Aqui estão três situações em que a flexão do infinitivo é importante para a qualidade do texto até mesmo recomendada. Vejam.

1. Quando o infinitivo tem sujeito próprio não expresso:

O juiz exarou despacho para proporcionar às partes oportunidade de se manifestarem [elas – as partes] durante a audiência.

A manifestação cabe às partes, logo o infinitivo não tem como referente o sujeito da oração principal – o juiz. Esse recurso evita ambiguidade.

2. Quando tem sujeito expresso:

Estranho é tu não notares as mudanças naquele local.

3. Sempre que for possível substituir o infinitivo flexionado por uma forma modal (flexão de modo), indiferentemente se o verbo faz referência a sujeito próprio ou não, podemos usar a forma flexionada do infinitivo.

O advogado afirmou ser possível ganharmos a causa. (infinitivo pessoal)

O advogado afirmou que é possível que ganhemos a causa. (forma modal)

Mas ainda retomaremos esse assunto para tratar do infinitivo impessoal (não flexionado) e dos casos facultativos.

Até a próxima!


Fontes básicas:
ALMEIDA, Napoleão Mendes de Almeida. Dicionário de questões vernáculas. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2005.
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008.