segunda-feira, 27 de março de 2017

Irá fazer x vai fazer


A linguagem é dinâmica e tem suas modas. Embora divertidos e inclusivos, os modismos podem ser perigosos, por isso exigem do redator certo cuidado. Primeiro, porque modas são datadas, rapidamente se tornam obsoletas (como aquelas fotos antigas com cabelos e roupas tenebrosos!). Em segundo lugar, algumas dessas palavras e expressões não estão de acordo com a norma-padrão ou indicam pouca versatilidade vocabular. O que hoje é charmoso, amanhã pode ser estigmatizado (lembremos do malfadado “a nível de” e do injustiçado gerúndio). Vejamos, por exemplo, a construção a seguir, que parece ter caído no gosto de muitos redatores:

"O magistrado irá proferir a sentença."

Esse tipo de arranjo da locução verbal "ir" + verbo no infinitivo, em que o verbo auxiliar aparece no futuro simples, contraria os registros da norma-padrão da língua. Recomenda-se que o verbo "ir" seja empregado como auxiliar de um verbo no infinitivo, conjugado no presente do indicativo (vou, vais, vai, etc), para indicar um futuro próximo. Assim, temos

“O magistrado vai proferir a sentença.”

O aspecto contido na locução “vai proferir” é o de firme propósito de executar uma ação. O conteúdo assertivo, portanto, está suficientemente expresso. Caso haja necessidade de usar o futuro simples, o mais adequado é empregá-lo fora da locução:

“O magistrado proferirá a sentença”.


Até a próxima!  

sexta-feira, 24 de março de 2017

Vírgula - introdução

 As expressões faciais, gestos, nos oferecem pistas sobre a recepção do que comunicamos. Na língua escrita, não dispomos desses recursos da interação face a face, mas isso não significa que estejamos abandonados à nossa própria sorte. A pontuação está aí para suprir, dentro dos limites da escrita, a falta que nos faz o olhar do outro.
E a vírgula, nesse contexto, é um elemento essencial para a criar correspondências que auxiliem na construção de sentidos. Segundo Bechara, esse sinal gráfico pode ser enquadrado no grupo dos essencialmente separadores (vírgula, ponte e vírgula, ponto final, ponto de exclamação, reticências). Entre os separadores, temos os que representam pausa conclusa (ponto, ponto e vírgula, ponto de interrogação, ponto de exclamação, reticências) e aqueles que denotam pausa inconclusa (vírgula, parênteses, travessão, colchetes).
A pausa a que se refere o gramático está associada a significados, ao jogo de sentidos que estabelecemos ao escrever. Não se trata, portanto, de pausas de respiração. O uso da vírgula, de fato, está submetido a preceitos lógico-sintáticos.
Pensemos. A modalidade escrita da nossa língua é basicamente fundada na estrutura Sujeito+Verbo+Objeto (SVO), em que verbo e objeto (ou complemento) compõem o predicado. Esses termos são tão interdependentes que não serão separados por vírgula mesmo que extensos ou em ordem inversa. Vejamos.

1. Todos os presentes na audiência   concordaram   com as propostas inovadoras.
                       S                                       V                                   O
Observe que, embora o sujeito seja extenso, não há vírgula.
Ou
2. Concordaram   com as propostas inovadoras   todos os presentes na audiência.
          V                                 O                                              S 
No exemplo 2., o verbo se desloca, mas a estrutura SVO está mantida, pois não ocorreu nenhuma quebra na estrutura lógica da frase.  
3. Ontem pela manhã, todos os presentes na audiência concordaram com as propostas inovadoras.
Ou
4. Todos os presentes, ontem pela manhã, concordaram com as propostas inovadoras.


Em 3., o sintagma sublinhado marca o tempo (circunstância de tempo) em o evento ocorreu. Se estivesse no final da frase, local onde se situam todas as circunstâncias, a vírgula não seria necessária, porque a ordem lógica estaria mantida. Em 4., a ordem foi quebrada (sujeito e predicado foram separados por um sintagma intercalado), por isso incluímos duas vírgulas para destacar esses elementos que se interpõem na ordem lógica da frase.


Só uma dica:
As inversões são interessantes e têm razão de ser, mas, de maneira geral, exigem do redator e do leitor mais atenção. Essa é uma das razões pelas quais sugerimos o uso da ordem direta em textos oficiais e cuidado com as inversões.
No nosso ofício, a clareza prevalece sobre o estilo. 
Até a próxima!







quinta-feira, 23 de março de 2017

A proposta

A linguagem é certamente a matéria-prima do Direito e pode ser veículo de cidadania. No campo jurídico, estamos sempre envolvidos com textos que ora doutrinam, ora julgam, ora legislam. Esses registros, entretanto, não circulam apenas entre os iniciados (aqueles que possuem formação jurídica), antes transitam na sociedade e a ela se dirigem. Não podemos nos esquecer disso.

Assim, para que a comunicação se dê plenamente, os textos produzidos nesse ambiente devem ser redigidos de forma clara e acessível para promover a intelecção, sem perder de vista a técnica ou caminhar para a linguagem rasteira. Esse é o desafio!

O objetivo desse blog é refletir sobre os usos da linguagem escrita em geral e no ambiente jurídico, espaço em que se dá nosso ofício.

Sugestões e dúvidas serão bem-vindas. 

Até!