segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Infinitivo: um início de conversa

O infinitivo é uma das formas nominais do verbo, ao lado do gerúndio e do particípio. Ocorre em variadas línguas. Trata-se do verbo sem flexão. Analise as seguintes orações, em que o verbo navegar exerce função nominal. Isso quer dizer que atuam como substantivos.

Navegar é preciso”.

Em língua portuguesa, diferentemente de outras línguas neolatinas, o infinitivo pode ser flexionado. Conhecido como idiotismo ou idiomatismo, é um fenômeno nosso. Assim, por aqui e para além do Atlântico, o infinitivo pode estabelecer relação com a pessoa verbal.

O infinitivo pessoal (flexionado) ocorre em todas as pessoas gramaticais (eu, tu, ele, nós, vós, eles) e é muito útil como recurso de coesão. Observe as orações a seguir.

Convém trabalharmos juntos.

Convém nós trabalharmos juntos.

Convém que trabalhemos juntos.

Notou a diferença? A primeira é bastante coesa, dizemos tudo com muito pouco. Isso não significa que apenas a primeira esteja correta, mas que dispomos de uma ferramenta útil para variar as formas de escrita em um texto. Ora podemos empregar o infinitivo, ora usamos orações modais.

É importante estar atento ao fato de que, em termos de forma, o infinitivo pessoal (flexionado) se assemelha ao futuro de subjuntivo. Veja.

Nada faz aqueles homens cumprirem as leis.

Veja que a oração tem sentido declarativo (algo que se afirma ou se nega), construção típica de infinitivo.

Já no exemplo a seguir, a oração expressa uma hipótese condicional, própria do modo subjuntivo. A grafia, no entanto, mesmo com a diferença de sentido, será a mesma. Veja.

Se aqueles homens não cumprirem a lei, serão devidamente punidos.

Para finalizar, podemos afirmar, antes de entrarmos nas questões mais polêmicas do infinitivo pessoal, que uma regra parece ser comum a todos ou quase todos estudiosos: sempre que o infinitivo estiver acompanhado do sujeito, nome ou pronome, na ordem preposição + sujeito + infinitivo, deve-se usar o infinitivo flexionado. Observe.

Preparou a sala para [preposição] as sessões [sujeito] ocorrerem [infinitivo flexionado].

Por hoje é só. Que os eflúvios da primavera acalmem as polêmicas em torno do infinitivo.


Até a próxima!

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Sendo que

Quando sendo que funciona como locução conjuntiva (duas palavras usadas como conjunção) com valor causal, equivalente a uma vez que, visto que, porquanto, porque, etc, os gramáticos entendem que se trata do sentido original. Significa dizer que, se no lugar de sendo que, for possível usar qualquer uma dessas locuções, então a aplicação será considerada correta. Observe o trecho de acórdão abaixo transcrito com adaptações.

Quando a parte sucumbente na pretensão objeto da perícia for beneficiária de justiça gratuita, deve a mesma ficar isenta do pagamento dos honorários periciais, conforme decidido no acórdão embargado, sendo que a responsabilidade pelo pagamento deve ser imputada à União Federal.

Ao substituirmos sendo que por uma locução conjuntiva causal, o sentido do texto permanece intocado. Veja.

Quando a parte sucumbente na pretensão objeto da perícia for beneficiária de justiça gratuita, deve a mesma ficar isenta do pagamento dos honorários periciais, conforme decidido no acórdão embargado, visto que a responsabilidade pelo pagamento deve ser imputada à União Federal.

Menos unânime, mas reconhecido e utilizado por muitos, é o sendo que no lugar da conjunção aditiva e. Analise o trecho adaptado de um acórdão.

Esclarece-se também que, nos termos do disposto no art. 896 do CCB, a responsabilidade solidária decorre de lei ou da vontade das partes, sendo que, no presente caso, tendo restado provado que as reclamadas pertencem ao mesmo grupo, está configurado a solidariedade entre as mesmas, em face do disposto no parágrafo 2º, do art. 2º da CLT.

Parece claro que o texto está truncado e é um tanto incômoda a presença de dois gerúndios na mesma oração: sendo e tendo. Essa é uma das situações em que devemos estar atentos. Abaixo temos uma proposta de reescritura.

Esclareça-se também que, nos termos do disposto no art. 896 do CCB, a responsabilidade solidária decorre de lei ou da vontade das partes, e, no presente caso, uma vez provado que as reclamadas pertencem ao mesmo grupo, configura-se a solidariedade entre as mesmas, em face do disposto no parágrafo 2º, do art. 2º da CLT.

Veja que sendo que não pode ser substituído por nenhuma das locuções conjuntivas causais (visto que, porquanto, etc), mas funciona como elemento de adição entre duas ideias: a) a responsabilidade solidária decorre de lei ou da vontade das partes e b) se comprovado que as partes pertencem ao mesmo grupo, estará configurada a solidariedade. Por essa razão foi possível substituir sendo que por e.

No Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora Unesp, 2003, p. 697), Maria Helena de Moura Neves registra: “É geralmente desnecessário ou complicador da construção, e, por isso, tradicionalmente não recomendado o uso da expressão sendo que na ligação de orações ou parte de orações”. A observação da autora não é um assomo de ira contra um uso tão comum da expressão, em especial no campo jurídico. Trata-se de uma preocupação legítima com a clareza de nossos textos. No último exemplo, observamos como a clareza e a coesão do texto foram comprometidas. Então o que fazer?

Devemos ter em mente que não se trata apenas de certo e errado. Tanto o sentido tradicional (locução conjuntiva causal) quanto o uso mais moderno (aditiva) são possíveis na língua. O que não é bom é a repetição excessiva. Como se trata de uma expressão cristalizada, da qual lançamos mão a todo tempo, precisamos ter atenção se o uso não escapa a esses dois sentidos ou se não está além da conta. E quando isso ocorrer, basta substituir pelas locuções equivalentes. Outra saída possível é alterar a pontuação. Examine a proposta de reescritura abaixo.

Esclareça-se também que, nos termos do disposto no art. 896 do CCB, a responsabilidade solidária decorre de lei ou da vontade das partes. No presente caso, foi provado que as reclamadas pertencem ao mesmo grupo, o que configura solidariedade entre as partes, em face do disposto no parágrafo 2º, do art. 2º da CLT.

Fácil, não? Nada que uma releitura atenta não resolva.

Até a próxima!






quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Gerúndio e a vírgula (II)

Em nossa língua tem sido comum o uso do gerúndio encabeçando orações com sentido de modo, meio ou instrumento. Observem o exemplo abaixo extraído da Lei Complementar n. 150/2015.

O salário-hora normal, em caso de empregado mensalista, será obtido dividindo-se o salário mensal por 220 (duzentas e vinte) horas, salvo se o contrato estipular jornada mensal inferior que resulte em divisor diverso. (art. 2º, § 2º)

No trecho destacado não há vírgula antes do gerúndio. Isso ocorre porque, nesse caso, o gerúndio tem papel adverbial, que indica o modo como se dá a ação. Para perceber mais claramente essa função adverbial, basta observar se é possível responder à pergunta como?, cuja resposta, no exemplo, será: dividindo-se o salário mensal por 220 horas. Quando essa pergunta faz sentido, o gerúndio não deve ser separado por vírgula.

Lembremos daquela lição sobre a ordem direta na língua portuguesa: sujeito (S) + verbo (V) + objeto (O) + circunstância/advérbio. Sabemos que, se a circunstância (ou advérbio) está no fim da oração, a vírgula não será necessária. Vejam que ótimo: isso vale para o gerúndio quando ele está nessa função. Viu como a língua não é tão sem lógica como afirmam os mais indignados!

O pulo do gato está em lembrar-se também de que, se a circunstância aparece deslocada ou intercalada, a vírgula será obrigatória porque a ordem SVO+C foi alterada. Assim, teríamos:

Dividindo-se o salário mensal por 220 (duzentas e vinte) horas, será obtido o salário-hora normal, em caso de empregado mensalista.

Vamos ao segundo exemplo, também extraído da Lei Complementar 150/2015.

Em relação ao empregado responsável por acompanhar o empregador prestando serviços em viagem, serão consideradas apenas as horas efetivamente trabalhadas no período (…), podendo ser compensadas as horas extraordinárias em outro dia, observado o art. 2º. (art. 11)

Façamos a pergunta: acompanhar o empregador como? Prestando serviços em viagem. Vejam que prestando serviços em viagem é o modo ou meio como o empregado acompanha o empregador. Mais uma vez a circunstância aparece no final, depois do verbo e do objeto, portanto não há necessidade de vírgula.

É interessante notar que o art. 2º da LC 150/2015 apresenta outras orações, que se unem para formar um sentido maior. Ali no final temos um outro gerúndio, que não responde à pergunta como? Trata-se de situação similar à discutida na coluna anterior, em que o gerúndio funciona como aditiva. Situação também em que a vírgula é obrigatória.

O conselho é: não tema o gerúndio. Use-o com cuidado e parcimônia. Escrever é construção, quanto mais cuidadosa a junção das peças menos possibilidades de que o texto desmorone.


Até a próxima!

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Gerúndio e a vírgula

O gerúndio, embora de fácil aplicação, é atravessado por polêmicas que perpassam desda as altas rodas de gramáticos e estudiosos até os escribas, que com ele lidam diuturnamente. Longe das polêmicas, hoje vamos pensar sobre o uso do gerúndio com os pés fincados em nossos textos sem nos aprofundarmos em terminologias gramaticais.
É muito comum que se diga que “antes de gerúndio sempre se usa vírgula”. Nem sempre é assim, não é uma regra. Mas, às vezes, a vírgula não só é obrigatória como também um excelente recurso de coesão. Elegante, até.
Observemos o texto abaixo, extraído de acórdão.

Recorre a segunda reclamada (...), suscitando ilegitimidade passiva do banco réu e o sobrestamento do feito.

Vamos separar o período em partes. Recorre a segunda reclamada (ou em ordem direta: a segunda reclamada recorre)
Veja que “a reclamada” funciona como sujeito da oração. O texto descreve a adição de duas ações (recorrer e suscitar), ambas vinculadas ao mesmo sujeito. Portanto, sem gerúndio, teríamos o seguinte período:

Recorre a reclamada (...) e suscita ilegitimidade passiva do banco réu e o sobrestamento do feito.

O texto quer transmitir a ideia de que um fato imediato (suscitar) decorre do primeiro (recorrer) e a ele se soma. Esse efeito é muito bem conseguido se usamos o gerúndio. Note que a mera soma, com o conectivo e, não é suficiente para expressar o sentido desejado. No lugar do conectivo entra obrigatoriamente a vírgula. Coesão textual garantida, com um toque de elegância, além, é claro, da eficiência semântica.
Vejamos outro trecho de acórdão.

Todavia, quando desvirtua a correta formação do vínculo empregatício, servindo para a contratação de mão de obra por meio de empresas interpostas para o desempenho de atividade essencial, a terceirização acarreta desequilíbrio entre o capital e o trabalho.

Mais uma vez, temos um único sujeito (a terceirização) que responde pelas ações descritas no texto, assim:
Todavia, quando desvirtua a correta formação do vínculo empregatício e serve para a contratação de mão de obra por meio de empresas interpostas para o desempenho de atividade essencial, a terceirização acarreta desequilíbrio entre o capital e o trabalho.
Um sujeito (a terceirização), dois verbos (desvirtua e serve) e um conectivo (e). Para evitar o “e serve”, o autor lança mão do gerúndio e inclui a vírgula obrigatória.
Poderíamos afirmar, então, que a vírgula deve ser usada antes do gerúndio quando ele equivale a uma oração aditiva. Para isso, o sujeito do gerúndio deve ser o mesmo da oração anterior. No lugar de e + verbo, teremos vírgula + gerúndio. Simples assim.
Pulo do gato. Seguimos, nesse caso, a velha regra de pontuação: se somamos sem o conectivos, usamos obrigatoriamente vírgulas. É assim quando fazemos uma lista. Só paramos as vírgulas quando chegamos no e. Vejam, tudo se conecta.
O gerúndio não para aqui. Semana que vem tem mais.
Até a próxima!