As
línguas têm ritmo. As variações melódicas nos contam da origem
de um falante, das intenções, se dramáticas, se cômicas, e
contribuem para caracterizar cada língua. A essa musicalidade
chamamos prosódia.
O
português, por exemplo, tende a ser paroxítono. Isso promove em
nosso idioma uma sequência mais frequente de átono + tônico +
átono. E cá para nós, essa característica prosódica torna nossa
língua muito boa de ouvir, muito musical.
E o ritmo passa pela palavra e chega a frases e períodos, num todo melódico. Portanto,
quando pensamos em colocação de pronomes átonos, devemos ter em
mente que também se refere a ritmo e que, se átono, o termo deverá
estar ao lado de um tônico. O tônico, no caso dos pronomes átonos,
são os verbos. Por essa razão temos ênclise, próclise e
mesóclise, formas de posicionamento na oração desses átonos em
relação ao verbo.
A
mesóclise é a possibilidade de colocação pronominal que ocorre
apenas diante de verbos no futuro do presente ou no futuro do
pretérito (condicional). Nesses casos o pronome átono se posiciona
no meio do verbo.
A cerimônia realizar-se-á
amanhã.
Comprometer-me-ia, mas não
devo.
Mas
nem sempre foi assim. A mesóclise era a colocação do pronome entre
dois verbos. Isso mesmo. O futuro era construído com o verbo no
infinitivo somado ao indicativo do verbo haver. Isso foi há muito
tempo. Então, tínhamos:
A cerimônia haverá de
realizar-se.
Havia de comprometer-me, mas não
devo.
Com
o tempo, a função infinitiva fixou-se no verbo principal. Mas a
ideia de que havia mais um verbo na construção permaneceu em nossa
consciência linguística. Por isso que não temos mesóclise em
outros tempos verbais, porque ela é o resquício da formação
original de futuro. Na prática, aplicamos a mesóclise como se
fossem dois verbos. Por essa razão, incluímos o pronome átono
entre a desinência de infinitivo e as desinências de tempo e
pessoa, replicando aquela forma do passado. Interessante, não?
Inegavelmente
esse tipo de construção sugere mais formalidade, nem que seja no
imaginário de quem escreve ou lê. Talvez por isso ainda seja
possível encontrá-la aqui e ali em textos jurídicos. Não é
errado, mas não é o mais comum em nossa língua. O próprio
Evanildo Bechara já aponta para a possibilidade de se optar pela
próclise quando nas situações de futuro.
Assim,
podemos dizer
A cerimônia se realizará
amanhã.
Veja
que sem a mesóclise a frase soa mais natural. De outra forma, tende
a ser interpretada como antiquada ou afetada. E, quando escrevemos, a
recepção de nosso texto deve ser levada em conta, principalmente em
se tratando de textos oficiais. Conquistar a adesão do leitor não é
tarefa fácil.
Por
essa razão, apesar de não constituir erro o uso da mesóclise, não
a recomendamos para os textos oficiais, representativos de uma
instituição ou empresa. A sugestão é de que o texto seja
reconstruído de forma que a mesóclise seja evitada.
Até
a próxima!
Fontes
básicas:
BECHARA,
Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2005.
CÂMARA
JR., J.M. História e estrutura da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Padrão, 1975.
CUNHA,
Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português
Contemporâneo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008.