sexta-feira, 30 de junho de 2017

Pronomes demonstrativos: alusão a termos antecedentes

Para finalizar nosso estudo sobre pronomes demonstrativos, vamos recuperar um pouco do que já foi mencionado nas duas colunas anteriores.

Os pronomes demonstrativos são usados para a referenciação no contexto ou no discurso. No contexto, esses pronomes apontam para ser ou situação fora do texto.
1. Esta correspondência que envio será útil para as decisões futuras. 
No exemplo, esta indica que a correspondência está próxima ao redator.
Em
2. Fomos muito felizes quando morávamos em Salvador. Daquele tempo guardamos as mais saborosas memórias,
aquele indica um tempo remoto, distante tanto do redator quanto do leitor.
Tanto em 1. quanto em 2., os referentes se encontram fora do âmbito do texto. Lugar e tempo são instâncias externas.
No discurso, os demonstrativos podem apontar para seres ou situações já referidas (função anafórica) ou seres ou situações que ainda não referidos (função catafórica). Assim, temos:
3. As razões de pedir do reclamante são estas: 1) reconhecimento do vínculo empregatício; e 2) recolhimento do FGTS a contar da data da contratação.
Em 3., estas antecede uma ideia que ainda não foi expressa (função catafórica). Trata-se de uma informação nova, indicada no âmbito textual.
Já em
4.a) Reescrever é a essência de escrever bem: é onde se ganha ou se perde o jogo. Essa ideia é difícil de aceitar (Willian Zinsser),
o demonstrativo essa recupera tudo o que foi dito na primeira parte do texto, de forma reduzida (função anafórica). Se não dispuséssemos desse recurso na língua, seria necessário ao autor repetir a palavra reescrever. Veja:
4.b) Reescrever é a essência de escrever bem: é onde se ganha ou se perde o jogo. Reescrever é uma ideia é difícil de aceitar.
Agora leia com atenção a famosa frase de Paulo Freire, abaixo transcrita.
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele."
Observe que estamos diante da recuperação do que foi dito, mas de uma forma diferente. Os demonstrativos recuperam (função anafórica), mas não o todo. Parte a parte são referenciadas, a partir do local do autor no texto. Assim, desta se refere ao elemento mais próximo (do redator) e daquele, ao segmento mais distante. A essa alusão a termos antecedentes, parte a parte, alguns autores denominam função distributiva dos demonstrativos.
Atenção. É mais recomendado o uso apenas do par este e aquele (e flexões). A inclusão do esse, como recuperador intermediário, pode tornar a leitura do texto mais difícil. Veja que esse recurso não leva a uma leitura fluida. Exige do leitor um bocado a mais de atenção. Isso não é ruim, mas, se excessivo, pode tornar o texto indigesto. E esse não pe objetivo de textos oficiais. Na frase de Paulo Freire, a diferença de gênero dos termos facilita muito a recuperação da informação. Na vida de escriba nem sempre é assim. Dose esse recurso com bom senso. Afinal, não queremos que leitor faça ginástica para compreender nossos textos.


Até a próxima!




sexta-feira, 23 de junho de 2017

Pronomes demonstrativos no discurso

Pronomes demonstrativos no discurso

Na coluna anterior a esta(1), demos início ao assunto “pronomes demonstrativos”. Naquela(2) ocasião, destacamos o uso desses(3) pronomes para indicar os seres em relação às pessoas do discurso no espaço e no tempo. Hoje discutiremos os pronomes demonstrativos no discurso, no interior do texto escrito.

Observe o quadro abaixo.

Demonstrativo
Pessoa
Espaço
Tempo
Discurso
Este
1ª (quem fala)*
Situação próxima de quem fala (aqui)
Presente
O não dito (catáfora)
Esse
2ª (com quem se fala)
Situação intermediária relativa à 1ª pessoa (ali)
Passado ou futuro pouco distante
O dito (anáfora)
Aquele
3ª (de quem se fala)**
Situação distante relativa à 1ª pessoa (lá)
Passado vago ou remoto
-------
* O ser falante, a 1ª pessoa do discurso, é a referência. Tudo é visto a partir dele.
** A 3ª do discurso é também considerada como não-sujeito, porque não interage na interlocução, como o “eu falante” e o “eu ouvinte” o fazem.

Quando tratamos de localização do espaço e do tempo no texto, verificamos que esses elementos habitam fora dos limites textuais. Se eu digo:

Os anos 80 foram pródigos em inventividade. Naquele tempo, tudo era novidade.

Observe que o tempo referido está distante tanto do falante quanto do ouvinte. Além disso, o período recuperado por “naquele” não está dentro do texto. É uma referência externa ao discurso.

Já em

As opiniões contrárias às reformas têm sido divulgada por diversos meios de comunicação, de forma ostensiva. Isso, no entanto, não é suficiente para mudar a realidade,

isso” recupera tudo o que fora dito antes. Então, nesse caso, estamos diante de um pronome que localiza segmentos ou ideias dentro do texto, sem precisar repeti-los. Podemos dizer que

isso” = as opiniões contrárias (…) de forma ostensiva.

No exemplo acima, o referente do pronome é parte do próprio texto, é um elemento interno. A localização dos seres ou das ideias se dá na materialidade do texto (função endofórica). Poderíamos afirmar, então, de forma simples, como devem ser todas as coisas, que o pronome que recupera o que foi dito deve ser o de 2ª pessoa (esse e flexões), porque a informação está com o leitor e já se afastou do redator.

Se, por outro lado, nada será recuperado, usamos o demonstrativo de 1ª pessoa. Na nossa forma simples de expressar: o que deve ser dito ainda está com o redator, pois a informação não foi entregue ao leitor. Assim, temos:

Nossa opinião sobre o a paz mundial é esta: devemos falar menos e agir mais.

Veja que, até o momento em que o pronome foi usado, a opinião ainda não havia sido revelada, logo pertencia ao redator (locutor), permanecia na 1ª pessoa.

Para arrematar, analise os pronomes marcados no primeiro parágrafo desta coluna. Na semana que vem finalizaremos esses estudos e acrescentaremos a função distributiva dos pronomes demonstrativos.


Até a próxima!






sexta-feira, 16 de junho de 2017

As mãos do texto: pronomes demonstrativos


Ao lado dos possessivos, os pronomes demonstrativos atuam como importantes elementos de coesão textual. Funcionam como gestos textuais, que apontam e indicam a posição dos seres em relação às pessoas do discurso, quanto ao espaço, ao tempo e ao próprio discurso. Nesta semana, trataremos do pronome demonstrativo em relação ao espaço e ao tempo.

Observe o quadro abaixo.

Pessoa do discurso
Lugar da fala
Pronome demonstrativo
1ª pessoa do discurso
Quem fala (eu)
Este, esta, isto
2ª pessoa do discurso
Com quem se fala (tu, você)
Esse, essa, isso
3ª pessoa do discurso
De quem se fala (ele)
Aquele, aquela, aquilo


No espaço

As formas da 1ª pessoa (este, esta, isto e flexões) indicam proximidade com “quem fala”. Já as formas de 2ª pessoa aplicam-se a seres pertencentes ou próximo a “com quem se fala”. Vejamos.

Este livro é o meu.

O livro pertence a quem fala, por isso usamos os pronomes da 1ª pessoa.

Em,

Encaminho ofício para conhecimento a respeito das medidas tomadas por este Tribunal quanto ao acordo de cooperação com essa Corte.

No exemplo, este aponta paro o lugar a partir do qual o texto é escrito. Essa, por seu turno, indica o lugar em que está o interlocutor, a quem se dirige o ofício.

Observe o próximo exemplo.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista.

Nesse caso, os autos estão no mesmo lugar em que está o redator.

No tempo

O demonstrativo pode ainda indicar a extensão de um período na linha do tempo. Veja.

Nesta semana celebramos Corpus Christi. (na semana corrente)

Se o tempo passado ou futuro está relativamente próximo do momento em que se fala, também podemos usar os demonstrativos de 1ª pessoa. Observe.

Esta noite encontrei-me com os antigos amigos da universidade. (trata-se da noite passada, muito próxima do momento presente)

Sairemos para jantar esta noite. (aqui estamos diante de um futuro próximo, o tempo fica marcado no verbo)

Para expressar tempo passado, o demonstrativo usual é o de 2ª pessoa.

Foram muito agradáveis esses dias de férias. (as férias, nesse caso, já se encerraram, pois o demonstrativo indica tempo passado).


Willian Zinsser diz que “toda a escrita é, em última instância, um modo de resolver um problema”. No campo jurídico essa máxima é mais do que verdade, é a origem de nosso ofício. Para além dos problemas próprios das relações jurídicas, ainda temos que dar conta do texto para que também ele não se transforme em problema. Os mecanismos de coesão, como os pronomes demonstrativos, são ótimos nesse processo. Acredite.

Até a próxima!





Pensamento da sexta

"Toda a escrita é, em última instância, um modo de resolver um problema". *Willian Zinsser

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Regência: atender


A forma como verbo e complemento se relacionam denominamos transitividade. Em linhas gerais, se entre o verbo e o complemento há necessidade de preposição para formação do sentido, nós o consideramos indiretos; se não há preposição, diretos. Existem ainda outros tantos verbos cujo sentido pode não estar associado ao complemento, os intransitivos.

As variações de regência, ou trânsito, por vezes alteram também o significado. Um caso típico é o verbo proceder. Quando regido da preposição a, tem sentido de levar a efeito, realizar, executar. Entretanto, também é conhecido o sentido de comporta-se, que é registrado como intransitivo (Como o jovem procedeu?).

O verbo atender, por seu turno, não segue exatamente a cartilha do proceder. Pode ser transitivo direto ou indireto, regido da preposição a, sem que o sentido seja alterado.

Observem os exemplos abaixo:

1. O legislador atribui ao julgador a responsabilidade pelo arbitramento, a fim de atender o/ao objetivo da reparação do dano sofrido pela vítima. (levar em conta, ter em vista)

2. O diretor da empresa atendeu o/ao telefone. (responder)

3. O juiz atendeu as/às partes. (receber, conceder audiência))

4. Ao deixar de atender as/às condições sanitárias mínimas exigidas pela Norma Regulamentar n. 31 do Ministério do Trabalho e Emprego, a segunda reclamada ofende a honra e a integridade física do autor. (levar em conta, ter em vista)


Para esse verbo, devemos ter dois princípios em mente:
1. no Brasil, no sentido de escutar e responder (atender ao/o telefone), é mais comum a transitividade direta; e
2. na linguagem culta, quando o complemento for pronome referente a pessoa, empregue a forma direta:
O juiz irá atendê-los em breve. (use)
O juiz irá atender-lhes em breve. (evite)
Última dica. Lembrar de todas as possíveis regências de um verbo não é tarefa fácil. Não precisamos, entretanto, acrescentar a escrita aos nossos inúmeros “medos líquidos” (como diria Bauman). Já basta o que temos até aqui. Para regência verbal e nominal existem dicionários. Eis uma ferramenta essencial para um escriba! Para essa coluna, entre outros, consultamos o Dicionário Prático de Regência Verbal, de Celso Pedro Luft.
Até a próxima!


terça-feira, 6 de junho de 2017

Pensamento do dia

"Escrever é um trabalho árduo. Uma frase clara não é acidental. Poucas frases surgem prontas logo de cara, ou mesmo depois de duas ou três vezes. Lembre-se disso nos momentos de desespero. Se você acha difícil escrever, é porque é mesmo difícil." William Zinsser

E eu acrescento: não desista!

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Sobre o mesmo, já que o mesmo nos rodeia

Pronomes estão muito presentes em nosso ofício de escribas. São recursos fundamentais para coesão textual, porque funcionam como setas, indicam o que vem antes, o que vem depois, evitam repetições. Há um deles que aparece com frequencia e é justa ou injustamente criticado. Trata-se de mesmo. Pensemos.

A gramática normativa prescreve que mesmo tem valor de pronome demonstrativo e deve ser empregado nas seguintes situações:

1. para reforçar identidade: Ela mesma elaborou a petição.
2. para referir-se a ser ou ideia já expressa: Todos se aproximaram, eu fiz a mesma coisa.
3. para indicar identidades idênticas: Os autores, apesar dos conflitos, faziam a mesma afirmação.

Alguns gramáticos e autores de manuais de redação criticam o uso de o mesmo, a mesma, os mesmos e as mesmas no lugar de ele, ela, eles, elas para referência a elemento já mencionado no texto, função anafórica. Assim, seriam condenadas construções como:

4. Foi enviada ao reclamado correspondência oficial, mas o endereço do mesmo não conferia com o apresentado no processo.

5. O reclamante alega que mantinha contrato com a empregadora, entretanto o mesmo não apresentou provas.

6. “Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo se encontra parado neste andar.”

Acontece que, no português europeu, essa é uma construção corrente, inclusive em textos oficiais e literários de autores de prestígio. O argumento em favor é de que pronomes podem fazer remissão a uma expressão linguística do discurso anterior, por estar aí uma função própria dessa classe de palavras. Nosso Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, não vê problema na estrutura com mesmo e questiona a crítica comum, a que chama de “mera escolha pessoal” de alguns estudiosos.

A língua tem suas manhas, além de modismos, é claro. Lembremos do malfadado “através”, que, de um momento para o outro, teve o uso restrito a situações em que o olhar atravessava. Assim, só se podia escrever “através” pela janela. Enquanto essa ideia se alastrava, linguistas e até gramáticos pediam calma, ponderação. Hoje esse rigor não existe com tanta força, mas devemos confessar que, não raro, deletamos o “através” e usamos “por meio de” só para evitar a crítica.

Diante dessas informações, o que fazer? Usar ou não “o mesmo” com função anafórica?

Não estamos aconselhando o uso. No Brasil, essa é uma construção vista com maus olhos por muita gente. A língua escrita tem forte representação social. A escolha desse ou daquele vocábulo indica o lugar do redator no mundo. Se você não lança mão desse recurso em seus textos, mantenha-se assim. Se, ao contrário, é um adepto, use-o com mais segurança, com parcimônia, porque construção repetitiva é sempre ruim para o texto, seja abonada ou não pela gramática.

Parafraseando Guimarães Rosa, escrever é muito perigoso!

Até a próxima!