Pronomes
estão muito presentes em nosso ofício de escribas. São recursos
fundamentais para coesão textual, porque funcionam como setas,
indicam o que vem antes, o que vem depois, evitam repetições. Há
um deles que aparece com frequencia e é justa ou injustamente
criticado. Trata-se de mesmo. Pensemos.
A
gramática normativa prescreve que mesmo tem valor de pronome
demonstrativo e deve ser empregado nas seguintes situações:
1. para reforçar identidade: Ela
mesma elaborou a petição.
2. para referir-se a ser ou ideia já
expressa: Todos se aproximaram, eu fiz a mesma coisa.
3. para indicar identidades idênticas:
Os autores, apesar dos conflitos, faziam a mesma afirmação.
Alguns
gramáticos e autores de manuais de redação criticam o uso de o
mesmo, a mesma, os mesmos e as mesmas no
lugar de ele, ela, eles, elas para
referência a elemento já mencionado no texto, função anafórica.
Assim, seriam condenadas construções como:
4. Foi enviada ao reclamado
correspondência oficial, mas o endereço do mesmo não
conferia com o apresentado no processo.
5. O reclamante alega que mantinha
contrato com a empregadora, entretanto o mesmo não apresentou
provas.
6. “Antes de entrar no elevador,
verifique se o mesmo se encontra parado neste andar.”
Acontece
que, no português europeu, essa é uma construção corrente,
inclusive em textos oficiais e literários de autores de prestígio.
O argumento em favor é de que pronomes podem fazer remissão a uma
expressão linguística do discurso anterior, por estar aí uma
função própria dessa classe de palavras. Nosso Bechara, na Moderna
Gramática Portuguesa, não vê problema na estrutura com mesmo e
questiona a crítica comum, a que chama de “mera escolha pessoal”
de alguns estudiosos.
A
língua tem suas manhas, além de modismos, é claro. Lembremos do
malfadado “através”, que, de um momento para o outro, teve o uso
restrito a situações em que o olhar atravessava. Assim, só se
podia escrever “através” pela janela. Enquanto essa ideia se
alastrava, linguistas e até gramáticos pediam calma, ponderação.
Hoje esse rigor não existe com tanta força, mas devemos confessar
que, não raro, deletamos o “através” e usamos “por meio de”
só para evitar a crítica.
Diante
dessas informações, o que fazer? Usar ou não “o mesmo” com
função anafórica?
Não
estamos aconselhando o uso. No Brasil, essa é uma construção vista
com maus olhos por muita gente. A língua escrita tem forte
representação social. A escolha desse ou daquele vocábulo indica o
lugar do redator no mundo. Se você não lança mão desse recurso em
seus textos, mantenha-se assim. Se, ao contrário, é um adepto,
use-o com mais segurança, com parcimônia, porque construção
repetitiva é sempre ruim para o texto, seja abonada ou não pela
gramática.
Parafraseando
Guimarães Rosa, escrever é muito perigoso!
Até
a próxima!
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