sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Sendo que

Quando sendo que funciona como locução conjuntiva (duas palavras usadas como conjunção) com valor causal, equivalente a uma vez que, visto que, porquanto, porque, etc, os gramáticos entendem que se trata do sentido original. Significa dizer que, se no lugar de sendo que, for possível usar qualquer uma dessas locuções, então a aplicação será considerada correta. Observe o trecho de acórdão abaixo transcrito com adaptações.

Quando a parte sucumbente na pretensão objeto da perícia for beneficiária de justiça gratuita, deve a mesma ficar isenta do pagamento dos honorários periciais, conforme decidido no acórdão embargado, sendo que a responsabilidade pelo pagamento deve ser imputada à União Federal.

Ao substituirmos sendo que por uma locução conjuntiva causal, o sentido do texto permanece intocado. Veja.

Quando a parte sucumbente na pretensão objeto da perícia for beneficiária de justiça gratuita, deve a mesma ficar isenta do pagamento dos honorários periciais, conforme decidido no acórdão embargado, visto que a responsabilidade pelo pagamento deve ser imputada à União Federal.

Menos unânime, mas reconhecido e utilizado por muitos, é o sendo que no lugar da conjunção aditiva e. Analise o trecho adaptado de um acórdão.

Esclarece-se também que, nos termos do disposto no art. 896 do CCB, a responsabilidade solidária decorre de lei ou da vontade das partes, sendo que, no presente caso, tendo restado provado que as reclamadas pertencem ao mesmo grupo, está configurado a solidariedade entre as mesmas, em face do disposto no parágrafo 2º, do art. 2º da CLT.

Parece claro que o texto está truncado e é um tanto incômoda a presença de dois gerúndios na mesma oração: sendo e tendo. Essa é uma das situações em que devemos estar atentos. Abaixo temos uma proposta de reescritura.

Esclareça-se também que, nos termos do disposto no art. 896 do CCB, a responsabilidade solidária decorre de lei ou da vontade das partes, e, no presente caso, uma vez provado que as reclamadas pertencem ao mesmo grupo, configura-se a solidariedade entre as mesmas, em face do disposto no parágrafo 2º, do art. 2º da CLT.

Veja que sendo que não pode ser substituído por nenhuma das locuções conjuntivas causais (visto que, porquanto, etc), mas funciona como elemento de adição entre duas ideias: a) a responsabilidade solidária decorre de lei ou da vontade das partes e b) se comprovado que as partes pertencem ao mesmo grupo, estará configurada a solidariedade. Por essa razão foi possível substituir sendo que por e.

No Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora Unesp, 2003, p. 697), Maria Helena de Moura Neves registra: “É geralmente desnecessário ou complicador da construção, e, por isso, tradicionalmente não recomendado o uso da expressão sendo que na ligação de orações ou parte de orações”. A observação da autora não é um assomo de ira contra um uso tão comum da expressão, em especial no campo jurídico. Trata-se de uma preocupação legítima com a clareza de nossos textos. No último exemplo, observamos como a clareza e a coesão do texto foram comprometidas. Então o que fazer?

Devemos ter em mente que não se trata apenas de certo e errado. Tanto o sentido tradicional (locução conjuntiva causal) quanto o uso mais moderno (aditiva) são possíveis na língua. O que não é bom é a repetição excessiva. Como se trata de uma expressão cristalizada, da qual lançamos mão a todo tempo, precisamos ter atenção se o uso não escapa a esses dois sentidos ou se não está além da conta. E quando isso ocorrer, basta substituir pelas locuções equivalentes. Outra saída possível é alterar a pontuação. Examine a proposta de reescritura abaixo.

Esclareça-se também que, nos termos do disposto no art. 896 do CCB, a responsabilidade solidária decorre de lei ou da vontade das partes. No presente caso, foi provado que as reclamadas pertencem ao mesmo grupo, o que configura solidariedade entre as partes, em face do disposto no parágrafo 2º, do art. 2º da CLT.

Fácil, não? Nada que uma releitura atenta não resolva.

Até a próxima!






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