As expressões faciais, gestos, nos oferecem
pistas sobre a recepção do que comunicamos. Na língua escrita, não
dispomos desses recursos da interação face a face, mas isso não
significa que estejamos abandonados à nossa própria sorte. A
pontuação está aí para suprir, dentro dos limites da escrita, a
falta que nos faz o olhar do outro.
E a vírgula, nesse contexto, é um elemento
essencial para a criar correspondências que auxiliem na construção
de sentidos. Segundo Bechara, esse sinal gráfico pode ser enquadrado
no grupo dos essencialmente separadores (vírgula, ponte e
vírgula, ponto final, ponto de exclamação, reticências). Entre os
separadores, temos os que representam pausa conclusa (ponto,
ponto e vírgula, ponto de interrogação, ponto de exclamação,
reticências) e aqueles que denotam pausa inconclusa (vírgula,
parênteses, travessão, colchetes).
A pausa a que se refere o gramático está
associada a significados, ao jogo de sentidos que estabelecemos ao
escrever. Não se trata, portanto, de pausas de respiração. O uso
da vírgula, de fato, está submetido a preceitos lógico-sintáticos.
Pensemos. A modalidade escrita da nossa língua é
basicamente fundada na estrutura Sujeito+Verbo+Objeto (SVO), em que
verbo e objeto (ou complemento) compõem o predicado. Esses termos
são tão interdependentes que não serão separados por vírgula
mesmo que extensos ou em ordem inversa. Vejamos.
1. Todos os presentes na audiência
concordaram com as propostas
inovadoras.
S
V
O
Observe que, embora o sujeito seja extenso, não
há vírgula.
Ou
2. Concordaram com as
propostas inovadoras todos os presentes na
audiência.
V
O
S
No exemplo 2., o verbo se desloca, mas a estrutura
SVO está mantida, pois não ocorreu nenhuma quebra na estrutura
lógica da frase.
3. Ontem pela manhã, todos os presentes na
audiência concordaram com as propostas inovadoras.
Ou
4. Todos os presentes, ontem pela manhã,
concordaram com as propostas inovadoras.
Em 3., o sintagma sublinhado marca o tempo
(circunstância de tempo) em o evento ocorreu. Se estivesse no final
da frase, local onde se situam todas as circunstâncias, a vírgula
não seria necessária, porque a ordem lógica estaria mantida. Em
4., a ordem foi quebrada (sujeito e predicado foram separados por um
sintagma intercalado), por isso incluímos duas vírgulas para
destacar esses elementos que se interpõem na ordem lógica da frase.
Só uma dica:
As inversões são interessantes e têm razão de
ser, mas, de maneira geral, exigem do redator e do leitor mais
atenção. Essa é uma das razões pelas quais sugerimos o uso da
ordem direta em textos oficiais e cuidado com as inversões.
No nosso ofício, a clareza prevalece sobre o
estilo.
Até a próxima!
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