sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Elidir ou Ilidir?

Há palavras na língua portuguesa que têm som (fonética), escrita (grafia) semelhantes, mas com significados muito diversos. É o caso de absorver/absolver; discriminar/descriminar; delatar/dilatar, entre tantas outras. Chamamos parônimas esses tipos de palavras.

As dificuldades que podem surgir no uso de palavras parônimas estão mais relacionadas ao equívoco gráfico. Como, por exemplo, usar retificar no lugar de ratificar, mandato no lugar de mandado. Nossa atenção, em casos assim, deve estar voltada para a grafia. Só isso. Uma vez resolvida a dúvida gráfica, nada quanto ao sentido restará.

No entanto, o par de parônimas elidir/ilidir pode gerar um pouco mais de incertezas.

Elidir tem o significado de eliminar, excluir, suprimir, fazer elisão; enquanto ilidir tem sentido de refutar, destruir, contestar, rebater. Inicialmente os sentidos se diferem muito, mas há momentos em que se aproximam tanto que temos dificuldade de distinguir o sentido. Vejo o exemplo a seguir.

O pagamento dos tributos, para efeito de extinção de punibilidade […], não elide a     pena de perdimento de bens autorizada pelo Decreto-Lei 1.455, de 1976, artigo 23. (TFR, Súmula n. 92)

Observe que o verbo elidir contém exatamente a ideia de exclusão. O pagamento daquele tributo não suprime/exclui a pena autorizada em determinada lei. Veja que a relação entre o verbo (elidir) e o complemento é objetiva.

Agora voltemos nosso olhar para um texto conhecido do judiciário trabalhista.

O só pagamento dos salários atrasados em audiência não ilide a mora capaz de determinar a rescisão do contrato de trabalho. (TST, Súmula n. 13)

Veja a ligeira diferença que há entre a primeira e a segunda súmula. Na Súmula do extinto Tribunal Federal de Recursos, o pagamento não suprime a pena. Já na do TST, a ideia é de que o pagamento de salários atrasados em audiência não é suficiente para refutar o argumento de mora. Se a Súmula fosse escrita com o verbo elidir, deveríamos ligá-lo diretamente à rescisão.

O só pagamento dos salários atrasados em audiência não elide a rescisão do contrato de trabalho.

Significaria dizer que o pagamento por si só não seria capaz de excluir a dispensa indireta. Mas não é esse o conteúdo da súmula. Atente-se para o fato de que a expressão mora vem acompanhada de um adjetivo: capaz. Isso significa que mora é o argumento capaz de determinar a rescisão do contrato, e esse argumento não pode ser contestado  com o pagamento dos salários. Há outros aspectos no atraso de salários que transcendem a mera relação devedor–credor. Conforme nos ensina o magistrado baiano Raymundo Antonio Carneiro Pinto, a Súmula n. 13 evita “que o empregador tente remediar seu erro num momento em que já não mais seria oportuno”.

Mas é claro que a diferença é muito sutil. É preciso decupar o texto para perceber que ilidir está ligado a mora (o argumento) e que a rescisão do contrato não está associada a ilidir. Se usássemos elidir, certamento não teríamos prejuízo na compreensão do texto. No final, tudo daria na mesma, não é? Talvez, em sentido prático, mas deixaríamos de perceber a precisão que o verbo ilidir confere ao texto nesse caso da Súmula n. 13. Ilidir sempre terá como referente um argumento. Esse é o pulo do gato.

Pensar na palavra com cuidado é um jeito de desembotar nosso olhar para os textos tão comuns em nosso cotidiano de escribas. Como diria Manoel de Barros, “palavras que me aceitam como sou – eu não aceito”.

Até a próxima!

Fontes básicas:
AZEVEDO, Francisco Ferreira dos Santos. Dicionário analógico da língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4 ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.
HENRIQUES, Antonio & ANDRADE, Maria Margarida de. Dicionário de verbos jurídicos. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2010.
LUFT, Celso Pedro. Dicionário prático de regência verbal. 8 ed. São Paulo: Ática, 2002.
PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Súmulas do TST comentadas. 11 ed. São Paulo: Ltr, 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário