sexta-feira, 18 de agosto de 2017

O não e o hífen

Uma mosquinha de dúvida costuma sussurrar em nossos ouvidos, quando, como é comum em textos jurídicos, temos que escrever palavras como “não contradição”, “não cumprimento”, entre tantas outras antecedidas por não.

Segundo o Acordo Ortográfico de 1990, “Não se emprega o hífen com as palavras não e quase com função prefixal: não agressão, não beligerante, não fumante, não periódico, não violência, não participação; quase delito, quase domicílio, quase equilíbrio, etc.” (Adendo 1, Base XVI).

Os dicionários Houaiss e Aurélio acolhem a decisão consignada no Acordo e registram sem hífen as palavras antecedidas por não. Mas essa regra não foi acatada por todos os dicionários nem por todos os estudiosos e produtores de conteúdo sobre língua portuguesa (manuais, blogs). O dicionário on-line Priberam, de origem lusitana, registra, por exemplo, “não agressão”, mas apresenta nota sobre a grafia em Portugal, que permanece com hífen. Uma simples pesquisa no Google pode levar o pobre redator para uma miríade de argumentos contra e pró hífen. E quase todos muito bem fundamentados. O que fazer, então?

Todos temos nossas pedras no meio do caminho. O hífen é certamente uma das grandes, mas não incontornáveis. Se estamos em um ambiente institucional, melhor usar o que é mais oficial. Assim, evite o hífen em palavras inciadas por não. Problema resolvido. Na hora da dúvida, é só cortar o hífen. Lembremo-nos de que os textos oficiais devem seguir o padrão ortográfico. Somos referência, por isso devemos evitar as variações estilísticas.

Mas… Sempre tem um “mas” para nos fazer pensar.

Em “Nota explicativa”, a Comissão de Lexicologia e Lexicografia da Academia Brasileira de Letras – ABL, na edição de 2009 do VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), traz o seguinte comentário:

Está claro que, para atender a especiais situações de expressividade estilística com a utilização de recursos ortográficos, se pode recorrer ao emprego do hífen nestes e em todos os outros casos que o uso permitir. É recurso a que se socorrem muitas línguas. Deste não hifenado se serviram no alemão Fichte e Hegel para exercer importante função significativa nas respectivas terminologias filosóficas: nicht-sein e nicht-ich, de que outros idiomas europeus se apropriaram como calcos linguísticos. Não é, portanto, recurso para ser banalizado.

Ora, se o espírito do Acordo visa à simplificação, parece-nos natural que os sinais diacríticos (sinais gráficos) sejam mais restritos, mas isso está longe de uma proibição de uso. Não podemos nos esquecer que, fora das amarras formais, tudo pode ser experimentado criativamente na língua ou mantido historicamente. Por exemplo, quem trata de temas filosóficos dificilmente vai se permitir escrever “não-ser” sem hífen, apesar da sugestão da ABL. Afinal, esse é um registro com força semântica inegável e profundamente ligado a um conceito filosófico claro e que se replica em outras línguas. Guardemos também que o hífen “não é, portanto, recurso para ser banalizado”. Bom é que o texto seja claro. Eis o nosso objetivo!


Até a próxima!

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