sexta-feira, 11 de maio de 2018

“Minha Pátria é a Língua Portuguesa”*


Talvez você não saiba, mas semana passada o Porto F.C. sagrou-se campeão português de futebol. Assim como aqui, os adeptos de lá também gostam de tripudiar sobre o rival, como se vê nesse trecho de uma das inúmeras matérias sobre o feito.

Gonçalo Paciência e Sérgio Oliveira levaram um polvo de peluche para o relvado, numa clara alusão ao caso dos emails que envolve os encarnados. O avançado colocou o polvo no relvado, pegou na bandeirola de campo e "matou" o bicho, para gáudio dos adeptos presentes. 1

Ao ler o texto, certamente algumas palavras nos soam estranhas. Fosse a vitória de um time nacional, no mínimo, algumas expressões seriam trocadas: peluche/pelúcia; relvado/gramado; encarnados/vermelhos (ou rubros); avançado/atacante (ou ponta de lança); bandeirola de campo/bandeira de escanteio; gáudio/alegria; adeptos/torcedores.

Já ali em Moçambique ônibus é machimbombo; passeando por Angola um monandengue é uma criança.

Muito além de diversidades lexicais, há estudiosos que preveem um distanciamento ainda maior entre o português brasileiro e o europeu, a ponto de que um dia sejam línguas diferentes. Isso só o tempo dirá. “O mar da história é agitado”, já diria Maiakovski.

Por enquanto a comunidade lusófona caminha junto, mas no alforje cada país carrega suas peculiaridades. As influências de outros povos seguem deixando marcas. A história se consolida na vida linguageira das gentes.

Aqui no Brasil somos muitos falantes do português, mas não só. Na região amazônica há registro do censo de 2010 do IBGE de cerca de 274 dialetos e línguas, distribuídos por 205 etnias. Temos três localidades brasileiras com mais de um idioma oficial: 1) São Miguel da Cachoeira, na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, em que temos o português, o nheengatu, o tucano e o baníua; 2) Pomerode, em Santa Catarina, que além do português, tem o alemão; e 3) Tucuru, em Mato Grosso do Sul, onde o guarani também é língua oficial.

No nordeste de Portugal, fala-se o mirandês, língua oficial da região ao lado do português.

Pois bem, a multiplicidade linguística, no entanto, não provoca incomunicabilidade entre nós. Tropeçando aqui e ali, apurando o ouvindo e nos deliciando com nossas diferenças, somos capazes de nos entender. Uma lágrima de emoção brasileira pode cair ao ouvir um fado triste na voz de uma Mariza:

Ó gente da minha terra
Agora é que eu percebi
Esta tristeza que trago
Foi de vós que a recebi

Ou uma adolescente de Moçambique talvez se veja nas frases de Arnaldo Antunes:

orientupis orientupis
ameriquítalos luso nipo caboclos
orientupis orientupis
iberibárbaros indo ciganagôs
somos o que somos
inclassificáveis
Tudo isso para dizer que em 5 de maio celebramos o Dia da Língua Portuguesa. Os participantes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) guardaram a data para discutir sobre a nossa língua, para pensar não sobre o que nos diferencia, mas a respeito do que nos iguala, nos irmana. Celebremos, portanto, as idiossincrasias que nos fazem uma “frátria” de falantes do português, como diria Caetano Veloso:

A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria

Até a próxima!

Fontes básicas
PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. Rio de Janeiro: Companhia das Letras.
PROENÇA FILHO, Domicio. Muitas línguas, uma língua: a trajetória do português brasileiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 2017.
* Frase de Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa, em Livro do Desassossego.


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