sexta-feira, 4 de maio de 2018

Estrangeirismos



Ao abrir os jornais, mais que notícias, surgem palavras e expressões novas. Algumas, como fake news, se replicam em todos os lugares. Por aqui, temos hard cases para enfrentar e truck system para inibir. Não bastassem os textos, os filhos são geeks, o mobiliário não é cleam emessage para responder. Mas o que aconteceu? Será uma invasão da fronteira linguística e da identidade nacional?

Não é bem assim. Já faz muito tempo que nossa língua tem impressa em si os contatos que ocorreram ao longo dos séculos com outros povos. Quando ainda éramos Pindorama, a flor do Lácio já carregava no alforje palavras como alarido, alfândega, toldo, alecrim, laranja, limão, açúcar, xarope, absorvidas na longa ocupação árabe da Península Ibérica.

Do contato mais próximo de Portugal com Espanha, herdamos, entre muitas outras: bolero, fandango, muleta. Da Itália absorvemos bravo, fiasco, arlequim, girândola, concurso, balcão, fachada. O francês, junto com a moda, nos trouxe também ateliê (atelier), bibelô (bibelot), chique (chic), culinária e tantas outras palavras doces e belas.

No pós-guerra, o inglês toma a dianteira e passa a ser uma das línguas mais difundidas no mundo. Os conhecimentos científicos, a força do comércio, dos meios de comunicação capitaneados pelos estadunidenses reforçaram a influência linguística do idioma.

Casteleiro indica que “a língua falada por um povo é um organismo vivo, enriquecendo-se quotidianamente no contato dos seus falantes com novas realidades e até com outros idiomas”. Os efeitos do contato na fala podem migrar também para a escrita. Outras vezes, a palavra não chega pela fala, aproxima-se por meio de uma tecnologia, de uma área de conhecimento ou de um processo histórico. Vejamos truck system e fake news. A primeira expressão não tem tradução direta, está associada a uma prática inglesa; a segunda, bem mais recente, vem tomando força desde o 2017, em virtude de certo cenário político internacional.

Hard case já se consolidou no ramo do jurídico. A mera tradução para “casos difíceis” poderia dar a ideia de que tudo o mais que não se enquadra nos hard cases é fatalmente “caso fácil”, o que, claro, não é verdade. Nem todos “casos difíceis” são hard cases. Por essa razão, mantemos o termo original, porque se constitui como um conceito que ultrapassa a noção de dificuldade, pois envolve questões morais, doxas. Filosófico demais para ser apenas um “caso difícil”.

fake news, por ser uma expressão mais nova, ainda está em processo de delimitação semântica. Pode ser uma notícia falsa ou apenas uma notícia contrária aos interesses de quem a lê; pode ser também algo que parece verdade, tem lastro na realidade, mas se confirma falso. Talvez essa expressão não dure até o próximo Verão. Quem saberá? Palavras estrangeiras transitam pela língua, algumas ficam, outras não passam de modismo.

É importante ter em mente que a língua, orgânica, viva, não se descaracteriza por essas assimilações. As novas palavras enriquecem o idioma, somam, não subtraem.

Atenção! Entender que novas palavras podem e devem ser acrescidas ao nosso idioma não significa produzir textos inacessíveis. Na redação oficial, as palavras estrangeiras devem conter a devida tradução ou conceituação, entre parênteses. O leitor não é obrigado a conhecer tais palavras. Outra atitude importante é não usar termos estrangeiros quando há similares no vernáculo. Usar palavras conhecidas é sempre a melhor opção. E isso vale para os termos latinos também.


Até a próxima!


Fontes básicas

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
CASTELEIRO, M. Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea. Lisboa: Verbo, 2001.
TEIXEIRA, Madalena Teles de Vasconcelos Dias. Os estrangeirismos no léxico português: uma perspectiva diacrónica. Filologia e Linguística Portuguesa, Brasil, n. 10-11, p. 81-100, june 2009. ISSN 2176-9419. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/flp/article/view/59816/62925>. Acesso em: 13 apr. 2018. doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2176-9419.v0i10-11p81-100.

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