quarta-feira, 15 de abril de 2020

Urdidura

Todos temos nossas preferências: políticas, times, seleções, cidades. Traços que nos
delineiam. Não parece incomum que também tenhamos nossas palavras queridas,
aquelas que criam imagens, adoçam o dia ou dão sentido aos sentimentos. As minhas
palavras queridas, percebi agora, fazem parte de um mesmo campo lexical. Começo com
urdidura, passo para tessitura e chego ao tecido.
Gosto também de uma expressão típica das Minas: “apertado de costura”. Eis um jeito
clássico e divertido de dizer que há muito trabalho para fazer. Nada daquela expressão
apressada: ocupadíssimo. Tem, ao contrário, a delicadeza do prestar um serviço, de estar
ocupado com o outro, de ter um compromisso. Lindo, não?
E quando a vida parece difícil, pensamentos “enviesados” brotam. Se nossas ideias estão
alinhadas (olha a linha aí), costuramos acordos e pensamentos.
Mas o que isso significa? Somos obcecados por costuras, moldes, tecidos? Acredito que
não. Talvez seja um traço cultural. Não somos tão antigos no mundo industrial. Temos
ainda mãe ou avó que operou uma velha máquina cujo sonzinho noturno ninou muitas
vidinhas. Ainda divisamos aquela velha máquina de costura ali no quarto de despejo.
Espólio de um tempo mais lento, que se foi, mas permaneceu na memória e,
consequentemente, na língua.
Outro campo que se espraia em nossa linguagem é o do futebol. “Damos bola fora” ao
dizer o que não se deve. “Pisamos na bola” com alguém que amamos. “Jogamos para
escanteio” o que não nos interessa. Sacamos um “cartão vermelho” para tudo que não é
bom e “fazemos um gol de placa”, quando agimos corretamente e de forma retumbante.
Essas expressões e palavras são expressivas porque retomam paixão e conhecimento
compartilhados.
Pode ser que em algumas décadas outros termos de outros esportes surjam. Talvez
aquela velha máquina se dissolva junto com suas palavras. Então, apenas documentos
históricos vão contar com qual lente enxergávamos a vida. Por isso escrever é uma
urdidura que se dá no hoje, tramada com fios do passado, tecendo o futuro.
Escrever é estar no presente, fugir das modas, mas perceber as novas palavras como
crianças bem-vindas iniciando a caminhada no mundo letrado.
Na vida de escriba (palavra charmosa mas de pouco uso) oficial, perceber as palavras,
acompanhar os usos e verificar se contêm suficiente conhecimento compartilhado é dever
diário.
Até a próxima!

Nenhum comentário:

Postar um comentário